"A
imprensa pode causar mais danos que a bomba atômica. E deixar cicatrizes no
cérebro." Noam Chomsky.
“Com
o tempo, uma imprensa cínica, demagógica e corrupta formará um público tão vil
quanto ela mesma”. Joseph Pulitzer, jornalista (há mais de um
século).
"A imprensa deixou há
muito de informar, para apenas seduzir, agredir e manipular." Prof. Andrew Oitke, catedrático de
Antropologia em Harvard.
Por
Lais Amaral
O artigo
abaixo foi publicado pelo jornalista Pepe Escobar, no portal Ásia Times Online,
dia 17 de outubro passado e replicado pelo jornal Brasil de Fato. Escobar vive
na Ásia e conhece bem o que acontece naquelas bandas e, o que acontece por lá nos chega
sempre de forma filtrada pelas grandes agencias noticiosas, comprometidas
por interesses ocidentais. Conheci Escobar
num encontro internacional de blogueiros e na ocasião fomos informados, quase
dois anos antes, que a “bola da vez” no tabuleiro de interesses imperiais norte-americanos era a Síria. Ficamos sabendo que seria complicado porque Rússia e China não
gostariam nada disso. Agora Escobar cutuca o pessoal com esse artigo antevendo a
ascensão chinesa, que coincidirá, como numa gangorra, com o declínio americano.
Sem
que se veja nem sinal de avanço social, econômico e político – o “trancamento”
(shutdown) nos EUA seria outra perfeita ilustração, se se precisasse de
ilustração - de que os EUA deslizam tão inexoravelmente quanto a China, pena a
pena, vai abrindo as asas para comandar a pós-modernidade do século 21.
A intuição de Antonio Gramsci
precisa ser atualizada: a velha ordem morreu, e a nova ordem está um passo mais
perto de nascer
Pepe Escobar,
Asia Times Online (reproduzido pelo
Brasil de Fato)
É isso. A China decidiu que “basta!” Tirou
as luvas (diplomáticas). É hora de construir um mundo “des-americanizado”. É
hora de “uma nova moeda internacional de reserva” substituir o dólar
estadunidense.
Está tudo lá, escrito, em editorial da rede Xinhua,
saído diretamente da boca do dragão. E ainda estamos em 2013. Apertem os cintos
– especialmente as elites em Washington. Haverá fortes turbulências.
Longe vão os dias de Deng Xiaoping de
“manter-se discreto”. O editorial de Xinhuamostra, em formato
sintético, a gota d’água que fez transbordar o copo do dragão: o recente
‘trancamento’ (shutdown) nos EUA. Depois da crise financeira provocada por Wall
Street, depois da guerra do Iraque, um mundo “desentendido”, não só a China,
quer mudança.
Esse parágrafo não poderia ser mais
explícito:
“Sobretudo, em vez de honrar seus deveres
como potência liderante responsável, uma Washington interessada só em si mesma
abusa de seu status de superpotência e gera caos ainda mais profundo no
planeta, disseminando riscos financeiros para todo o mundo, instigando tensões
regionais e disputas territoriais, e guerreando guerras ilegítimas, sob o manto
de deslavadas mentiras.”
A solução, para Pequim, é
“des-americanizar” a atual equação geopolítica – a começar por dar voz mais
ativa no FMI e no Banco Mundial a economias emergentes e ao mundo em
desenvolvimento, o que deve levar à “criação de uma nova moeda internacional de
reserva, a ser criada para substituir o dólar estadunidense hoje dominante”.
Observe-se que Pequim não advoga a sumária
extinção do sistema de Bretton Woods – não, pelo menos, já; quer, isso sim,
mais poder para decidir. Parece razoável, se se considera que a China tem peso
apenas ligeiramente superior ao da Itália, no FMI. A “reforma” do FMI – ou
coisa parecida – está em andamento desde 2010, mas Washington, como seria de
esperar, vetou todas as alterações substanciais, até agora.
Quanto ao movimento para afastar-se do
dólar estadunidense, também já está em andamento, com graus variados de
velocidade, especialmente no que diga respeito ao comércio entre os países
BRICS, as potências emergentes (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul),
que já está sendo feito, hoje, predominantemente, nas respectivas moedas. O
dólar estadunidense está lentamente, mas firmemente, sendo substituído por uma
cesta de moedas.
A “des-Americanização” também já está em
curso. Considere-se, por exemplo, a ofensiva de charme dos chineses pelo
Sudeste Asiático, que está acentuadamente começando a inclinar-se na direção de
mais ação com principal parceiro econômico daqueles países, a China. O
presidente Xi Jinping da China, fechou vários negócios com a Indonésia, a
Malásia e também com a Austrália, apenas umas poucas semanas depois de ter
fechado outros vários negócios com os ‘-stões’ da Ásia Central.
A empolgação chinesa com promover a Rota da
Seda de Ferro alcançou nível de febre, com as ações das empresas chinesas de
estradas de ferro subindo à estratosfera, ante o projeto de uma ferrovia de
trens de alta velocidade até e através da Tailândia já virando realidade. No
Vietnã, o premiê chinês Li Keqiang selou um entendimento segundo o qual
querelas territoriais entre dois países no Mar do Sul da China não interferirão
com mais e novos negócios. Pode-se chamar de “pivotear-se” para a Ásia.
Todos a bordo do
petroyuan
Todos sabem que Pequim possui himalaias de
bônus do Tesouro dos EUA – cortesia daqueles massivos superávits acumulados ao
longo dos últimos 30 anos, mais uma política oficial de manter lenta, mas
segura, a apreciação do yuan.
E Pequim, simultaneamente, age. O yuan está
também lenta, mas em segurança, se tornando mais conversível nos mercados
internacionais. (Semana passada, o Banco Central Europeu e o Banco do Povo da
China firmaram acordo para uma troca de moeda (orig. swap) de US$45-$57
bilhões, que aumentará a força internacional do yuan e melhorará seu acesso ao
comércio financeiro na área do euro.)
A data não oficial para a total
conversibilidade do yuan cairá em algum ponde entre 2017 e 2020. A meta é
clara: afastar-se de qualquer respingo da dívida dos EUA, o que implica que, no
longo prazo, Pequim está-se afastando desse mercado – e, assim, tornando muito
mais caro, para os EUA, tomarem empréstimos. A liderança coletiva em Pequim já
fechou posição sobre isso e está agindo nessa direção.
O movimento na direção da plena
conversibilidade do yuan é tão inexorável quanto o movimento dos BRICS na
direção de uma cesta de moedas que, progressivamente, substituirá o dólar
estadunidense como moeda de reserva. Até lá, mais adiante nessa estrada,
materializa-se o evento cataclísmico real: o advento do petroyuan – destinado a
ultrapassar o petrodólar, tão logo as petromonarquias do Golfo vejam de que
lado ventam os ventos históricos. Então, o bate-bola geopolítico será outro,
completamente diferente.
Pode ser processo longo, mas é certo que o
famoso conjunto de instruções de Deng Xiaoping está sendo progressivamente
descartado: “Observe com calma; proteja sua posição; lide com calma, com as
questões; esconda nossas capacidades e aposte no nosso tempo; seja discreto; e
jamais reclame a liderança.”
Uma mistura de cautela e escamoteamento,
baseada na confiança que os chineses têm na história, e levando em consideração
uma grave ambição de longo prazo – era Sun Tzu clássico. Até aqui, Pequim andou
devagar; deixando que o adversário cometa erros fatais (e que coleção de erros
de multi-trilhões de dólares...); e acumulando “capital”.
Agora, chegou a hora de capitalizar. Em
2009, depois da crise financeira provocada por Wall Street, ainda havia chineses
que resmungavam contra “o mau funcionamento do modelo ocidental” e, em suma,
contra o “mau funcionamento da cultura ocidental”.
Beijing ouviu [Bob] Dylan (legendado em
mandarim?) e concluiu que, sim, the times they-are-a-changing [os tempos estão
mudando].[2] Sem que se veja nem sinal de avanço social, econômico e político –
o ‘trancamento’ [shutdown] nos EUA seria outra perfeita ilustração, se se
precisasse de ilustração – de que os EUA deslizam tão inexoravelmente quanto a
China, pena a pena, vai abrindo as asas para comandar a pós-modernidade do
século 21.
Que ninguém se engane: as elites de
Washington lutarão contra, como se estivessem ante a pior das pragas. Mesmo
assim, a intuição de Antonio Gramsci precisa ser atualizada: a velha ordem
morreu, e a nova ordem está um passo mais perto de nascer.