domingo, 4 de dezembro de 2011

Tio Sam continua o mesmo incendiário de sempre




tonigumauskas.wordpress



Com o tempo, uma imprensa cínica, demagógica e corrupta formará um público tão vil quanto ela mesma”.   Joseph Pulitzer, jornalista (há mais de um século).



Por Laís Amaral

O jornalista Pepe Escobar, no encontro mundial de blogueiros, realizado em Foz do Iguaçu, em outubro passado, alertou para os riscos da política expansionista dos Estados Unidos e aliados (Pentágono/Otan) junto ao Oriente Médio.
Escobar, que é colaborador da Al-Jazeera, disse na ocasião que a bola da vez era a Síria (eles já tinham atacado a Líbia e assassinado Muamar Kadafi).
Só que no caminho de mais uma “intervenção humanitária” tem o BRICS, mais claramente China e Rússia. É bom acompanhar o assunto com um pouco mais de profundidade, diferente do noticiário de press release da Velha Mídia Comercial.
Abaixo o artigo de Pepe Escobar e a seguir o artigo do jornalista Denis Telmánov sobre a movimentação da marinha soviética no sentido do porto de Tartus, na Síria.  


                       “É Pentágono /OTAN versus BRICS”
 Pepe Escobar, Al-Jazeera, Qatar - 30/11/2011

Poucos prestaram atenção, quando, semana passada, a porta-voz do Departamento de Estado dos EUA Victoria Nuland anunciou, em linguagem cifrada, que Washington “deixará de atender a alguns dos dispositivos do Tratado das Forças Militares Convencionais na Europa [ing. Conventional Armed Forces in Europe (CFE) Treaty], no que tenha a ver com Rússia”.  [1]
Tradução: Washington deixará de informar a Rússia sobre deslocamentos de sua armada global. A estratégia de “reposicionamento” planetário do Pentágono virou segredo.
         É preciso atualizar algumas informações de fundo. Esse tratado, CFE, foi assinado nos anos 1990 – quando o Pacto de Varsóvia ainda era vigente, e cabia à OTAN defender o ocidente “livre” contra o que então estava sendo pintado como um muito ameaçador Exército Vermelho.  
         Na Parte I, esse Tratado CFE estabelecia significativa redução no número de tanques, artilharia pesadíssima, jatos e helicópteros de guerra, e dizia também, aos dois lados, que todos teriam de nunca parar de falar do Tratado CFE.
A Parte II do Tratado CFE foi assinada em 1999, no mundo pós-URSS. A Rússia transferiu grande parte de seu arsenal para trás dos Montes Urais, e a OTAN nunca parou de avançar diretamente contra as fronteiras russas – movimento que aberta e descaradamente descumpria a promessa que George Bush-Pai fizera, pessoalmente, a Mikhail Gorbachev.
         Em 2007, entra Vladimir Putin, que decide suspender a participação da Rússia no Tratado CFE, até que EUA e OTAN ratifiquem a Parte II do CFE. Washington nada fez, nada de nada; e passou quatro anos pensando sobre o que fazer. Agora, decidiu que nem falar falará (“Washington deixará de atender”, etc. etc.).

Não se metam na Síria
         Moscou sempre soube, há anos, o que o Pentágono quer: Polônia, República Checa, Hungria, Lituânia. Mas o sonho da OTAN é completamente diferente: já delineado num encontro em Lisboa há um ano, o sonho da OTAN é converter o Mediterrâneo em “um lago da OTAN”.[2]
         Em Bruxelas, diplomatas da União Européia confirmam, off the record, que a OTAN discutirá, numa reunião chave no início de dezembro, o que fazer para fixar uma cabeça-de-praia muito próxima da fronteira sul da Rússia, para dali turbinar a desestabilização da Síria.
         Para a Rússia, qualquer intervenção ocidental na Síria é caso resolvido de não-e-não-e-não absoluto. A única base naval russa em todo o Mediterrâneo Ocidental está instalada no porto (sírio) de Tartus.
         Não por acaso, a Rússia instalou seu sistema de mísseis de defesa aérea S-300 – dos melhores do mundo, comparável ao Patriot, dos EUA – em Tartus. E é iminente a atualização para sistema ainda mais sofisticado, o S-400.
         Mais importante: pelo menos 20% do complexo industrial militar russo enfrentariam crise profunda, no caso de perder seus assíduos clientes sírios.
         Em resumo, seria suicídio, para a OTAN – para nem falar em Israel – tentar atacar a Síria por mar. A inteligência russa trabalha hoje sobre a hipótese de o ataque vir via Arábia Saudita.
E vários outros países também sabem, com riqueza de detalhes, dessa estratégia de “Líbia remix”, da OTAN.
        Vejam o caso, por exemplo, da reunião da semana passada, em Moscou, dos vice-ministros de Relações Exteriores dos países do grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) [3].
         Os BRICS não poderiam ter sido mais claros: esqueçam qualquer tipo de intervenção externa na Síria; disseram, exatamente que “não se deverá considerar qualquer interferência externa nos negócios da Síria, que não esteja perfeitamente conforme o que determina a Carta das Nações Unidas”.[4]
Os BRICS também condenam as sanções extras contra o Irã (são “contraproducentes”) e qualquer possibilidade de algum ataque. A única solução – para os dois casos, Síria e Irã – é negociações e diálogo. Esqueçam a conversa de um voto da Liga Árabe levar a nova resolução, do Conselho de Segurança da ONU, de “responsabilidade de proteger” (responsibility to protect -R2P). Esqueçam.
        O que temos aí é um terremoto geopolítico. A diplomacia russa coordenou, com outros países BRICS, um murro tectônico na mesa: não admitiremos qualquer tipo de nova intervenção dos EUA – seja “humanitária” ou a que for – no Oriente Médio. Agora, é Pentágono/OTAN versus os BRICS.
        Brasil, Índia e China estão acompanhando tão de perto quanto a Rússia, o que a França – sob o comando do neonapolêonico Libertador da Líbia, Nicolas Sarkozy – e a Turquia, os dois países membros da OTAN, estão empenhados e fazer hoje, sem qualquer limite ou contenção, contrabandeando armas e apostando em uma guerra civil na Síria, ao mesmo tempo em que tudo fazem para impedir qualquer tipo de diálogo entre o governo de Assad e a oposição síria, essa, em frangalhos.

Alerta máximo nos gargalos
         Tampouco é segredo dos BRICS que a estratégia de “reposicionamento” do Pentágono implica mal disfarçada tentativa de impor, no longo prazo, uma “negativa de acesso” à marinha chinesa expedicionária [ing. blue-water navy, capaz de operar em alto mar], em acelerada expansão.  
         Agora, o “reposicionamento” na África e na Ásia tem a ver, diretamente, com os gargalos. Não surpreende que três dos gargalos mais cruciais do mapa do mundo é questão de alta segurança nacional para a China, em termos do fluxo do suprimento de petróleo.
O Estreito de Ormuz é gargalo global crucial (por ali passam 16 milhões de barris de petróleo por dia, 17% de todo o petróleo negociado no planeta, mais de 75% do petróleo exportado para a Ásia).
        O Estreito de Malacca é elo crucial entre o Oceano Índico e o Mar do Sul da China e o Oceano Pacífico, a rota mais curta entre o Golfo Persa e a Ásia, com fluxo de cerca de 14 milhões de barris de petróleo/dia.
        E o Bab el-Mandab, entre o Chifre da África e o Oriente Médio, passagem estratégica entre o Mediterrâneo e o Oceano Índico, com fluxo de cerca de 4 milhões de barris/dia.
        Thomas Donilon, conselheiro de segurança nacional do governo Obama tem repetido, insistentemente, que os EUA têm de “reequilibrar” a ênfase estratégica – do Oriente Médio, para a Ásia.
        Assim se explica boa parte do movimento de Obama, de mandar Marines para Darwin, no norte da Austrália, movimento já analisado em outro artigo para Al Jazeera  [5]. Darwin é cidade bem próxima de outro gargalo – Jolo/Sulu, sudoeste das Filipinas.
        O primeiro secretário-geral da OTAN, Lord “Pug” Ismay, cunhou o famoso mantra segundo o qual a aliança Atlântica deveria “manter os russos fora, os americanos dentro e os alemães abaixo.” Hoje, o mantra da OTAN parece ser “manter os chineses fora e os russos abaixo”.
       Mas o que os movimentos do Pentágono/OTAN – todos inscritos na doutrina da Dominação de Pleno Espectro [ing.Full Spectrum Dominance]– estão realmente fazendo é manter Rússia e China cada vez mais próximas – não apenas dentro dos BRICS mas, sobretudo, dentro da Organização de Cooperação de Xangai expandida , que rapidamente se vai convertendo, não só em bloco econômico mas, também, em bloco militar.  
        A doutrina da Dominação de Pleno Espectro implica centenas de bases militares e agora também de sistemas de mísseis de defesa (ainda não testados). O que também implica, crucialmente, a ameaça mãe de todas as ameaças: capacidade para lançar o primeiro ataque.
        Pequim, pelo menos por hora, não tomou a expansão do Comando dos EUA na África, Africom, como ataque aos seus interesses comerciais, nem tomou o posicionamento de Marines na Austrália como ato de guerra.
        Mas a Rússia – tanto no caso da expansão dos mísseis de defesa posicionados contra Europa e Turquia, como na atitude de “sem conversas” sobre o Tratado CFE, e posicionada já contra os planos da OTAN para a Síria – está-se tornando bem mais incisiva.
        Esqueçam a conversa de Rússia e China, “competidores estratégicos” dos EUA, serem tímidos na defesa da própria soberania, ou dados a pôr em risco a própria segurança nacional. Alguém aí tem de avisar aqueles generais no Pentágono: Rússia e China não são, não, de modo algum, Iraque e Líbia.

Notas dos tradutores
[1]23/11/2011,RIA NOVOSTI – “United Stateshalts coopertion with Rússia on CFE arms treaty”
[2]25/11/2010, Pepe Escobar, “EUA: como criança em loja de doces da OTAN”.
[3]Sobre a mesma reunião e o mes).mo Comunicado Conjunto, ver 25/11/2011, MK Bhadrakumar, “BRICS bloqueiam os EUA no Oriente Médio”.
[4]“Comunicado Conjunto à Imprensa” (em inglês).
[5]22/11/2011, Pepe Escobar, “Obama projects Pacific power” (em inglês


Porta-aviões “Almirante Kuznetsov” zarpa para a Síria
Denis Telmánov, Izvéstia

Espera-se que o Admiral Kuznetsov e seus navios de escolta cheguem ao porto de Tartus na primavera de 2012. Os militares russos negam qualquer ligação entre a viagem do porta-aviões à Síria e a presente situação político-militar naquele país, enquanto os peritos a encaram como fator de dissuasão de um eventual conflito armado na Síria.
         “A presença de qualquer força militar nessa região, menos aquela da OTAN, seria muito útil e permitiria evitar um conflito armado”, disse ao jornal “Izvéstia”, o ex-Chefe do Estado Maior da Marinha russa, almirante Víktor Krávchenko, recordando a esse respeito que a URSS mantinha no Mediterrâneo uma esquadra especial, a 5ª Esquadra do Mediterrâneo, cuja missão era conter as ambições militares dos países ocidentais. Para a  manutenção e abastecimento dessa flotilha, a URSS instalou no porto sírio de Tartus uma base naval, utilizada atualmente para o atendimento aos navios da esquadra do Mar Negro.
Ali os navios se submetem a pequenos reparos e se abastecem de combustível, água doce e frutas. A base conta com cerca de 600 funcionários militares e civis russos e não abriga atualmente nenhum navio: a oficina flutuante da esquadra do Mar Negro, PM-138, saiu do porto de Tartus no início deste ano e nenhum outro navio chegou para substituí-la.
         Enquanto isso, nas águas próximas da Síria, surgiu uma força tarefa dos EUA composta pelo porta-aviões nuclear George Bush, dois cruzadores porta-mísseis e dois destróieres de mísseis.
         “Claro que as potencialidades dos navios russos são incomparáveis ao potencial da 6ª Esquadra Operacional dos EUA do Mediterrâneo, que integra um ou dois porta-aviões e vários navios de escolta.
Mas hoje ninguém fala sobre um eventual confronto entre os navios russos e americanos, pois um ataque a qualquer navio russo será tomado como declaração de guerra com todas as conseqüências daí decorrentes”, disse o almirante.
         Os militares russos insistem que a viagem da esquadra russa foi programada ainda em 2010, quando a situação na Síria era calma, e não encontram razões para cancelá-la ou adiá-la, disse uma fonte do Estado Maior da Marinha russa ao “Izvéstia”.
         O Admiral Kuznetsov e seus navios de escolta deverão visitar também o porto libanês de Beirute, Gênova, na Itália, e Chipre. A expedição começará no início de dezembro no mar de Barents e integra, além do Admiral Kuznetsov, o navio de luta antisubmarina oceânico Admiral  Chabanenko.
 Os dois navios irão contornar o continente europeu pelo oeste e entrarão pelo Estreito de Gibraltar no Mar Mediterrâneo, onde ficarão aguardando pelo navio de patrulha Ládni, que virá ao seu encontro do Mar Negro, devendo visitar primeiro o porto de La Valeta, em Malta.
         O Admiral Kuznetsov aloja a bordo oito caças navais Su-33 e vários novos caças MiG-29K, construídos para a Índia e levados para testes para uma viagem marítima de longo curso, assim como dois helicópteros de luta antisubmarina Ka-27. Todas as aeronaves irão realizar voos de treino em alto-mar, longe da costa síria.
          O Admiral Kuznetsov leva 12 lançadores de mísseis anti-navios Granit, um sistema de defesa antiaéreo Kinjal, oito lançadores de mísseis antiaéreos Kórtik, seis canhões com seis canos de 30 mm AK-630m, dois  lançadores de foguetes RBU-12 000 Udav e outras armas.
          O Admiral Kuznetsov não vai entrar no porto de Tartus devido a seu grande calado e permanecerá no ancoradouro, cabendo as funções de abastecimento da flotilha aos navios Admiral Chabanenko e Ládni.
          O cruzador porta-aviões Admiral Kuznetsov é a quinta embarcação do projeto 1143,5 e a única do gênero em serviço da Marinha russa, tendo em seu currículo quatro viagens de longo curso no Mediterrâneo e no nordeste do Atlântico. Sofreu três grandes reparações com uma duração total de seis anos. Após a presente viagem, será novamente submetido às obras de reparação.
         Seus congêneres, os cruzadores Variag e Admiral Gorchkov, foram vendidos à China e à Índia, respectivamente. O cruzador indiano está em obras de reconstrução na fábrica de construção naval Sevmach, na Rússia, e será armado com os aviões MiG-29K (versão naval do MiG-29), que serão testados durante a viagem do Admiral Kuznetsov à Síria.
          O Admiral Kuznetsov esteve em Tartus duas vezes, em 1995 e 2007, durante suas viagens ao Mediterrâneo e ao Atlântico.