terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Casal 45 é separado pelo bem da audiência


Angelo Cartoon


Com o tempo, uma imprensa cínica, demagógica e corrupta formará um público tão vil quanto ela mesma”.   Joseph Pulitzer, jornalista (há mais de um século).



Por Laís Amaral
        A constante queda de audiência acendeu a luz amarela na Globo e levou a direção da poderosa a promover um freio de arrumação.
O período da manhã é o mais difícil, com a TV dos Marinhos levando pancada da Record e outras emissoras de linha mais popular.  
         Isso levou a troca de Renato Machado por Chico Pinheiro, na tentativa de “deselitizar” o Bom dia Brasil. Ali Kamel deve perder força com as mudanças que também acontecem a nível de direção.

O Jornal Nacional, o principal produto do jornalismo global, e certamente um dos carros-chefe da audiência da emissora também vem perdendo espaço para a concorrência.

O casal 45, como ficaram conhecidos Willian Bonner e Fátima Bernardes durante a “suja” campanha eleitoral do ano passado, está desgastado e o jeito foi sacrificar  Fátima, um rosto mais cansado.

Na noite dessa segunda-feira foi feito todo aquele teatro espetaculoso, como é do feitio deles, para apresentar a substituta Patrícia Poeta.

A seguir você vai ler um artigo do jornalista Rodrigo Vianna, que trabalhou na Globo e conhece um pouco dos meandros da emissora. Ele mostra o resto do iceberg, que Bonner e o JN não mostraram.  



Os bastidores da troca no “Jornal Nacional”

por Rodrigo Vianna

Primeiro ponto: a Patrícia Poeta é mulher de Amauri Soares. Nem todo mundo sabe, mas Amauri foi diretor da Globo/São Paulo nos anos 90. Em parceria com Evandro Carlos de Andrade (então diretor geral de
jornalismo), comandou a tentativa de renovação do jornalismo global.

Acompanhei isso de perto, trabalhei sob comando de Amauri. A Globo
precisava se livrar do estigma (merecido) de manipulação – que vinha
da ditadura, da tentativa de derrubar Brizola em 82, da cobertura
lamentável das Diretas-Já em 84 (comício em São Paulo foi noticiado no
“JN” como “festa pelo aniversário da cidade”), da manipulação do
debate Collor-Lula em 89.

Amauri fez um trabalho muito bom. Havia liberdade pra trabalhar. Sou testemunha disso. Com a morte de Evandro, um rapaz que viera do jornal “O Globo”, chamado Ali Kamel, ganhou poder na TV. Em pouco tempo, derrubou Amauri da praça São Paulo.

Patrícia Poeta no “JN” significa que Kamel está (um pouco) mais fraco. E que Amauri recupera espaço. Se Amauri voltar a mandar pra valer na Globo, Kamel talvez consiga um bom emprego no escritório da Globo na
Sibéria, ou pode escrever sobre racismo, instalado em Veneza ao lado
do amigo (dele) Diogo Mainardi.

Conheço detalhes de uma conversa entre Amauri e Kamel, ocorrida em 2002, e que revelo agora em primeira mão. Amauri ligou a Kamel (chefe
no Rio), pra reclamar que matérias de denúncias contra o governo,
produzidas em São Paulo, não entravam no “JN”.

Kamel respondeu: “a Globo está fragilizada economicamente, Amauri; não é hora de comprar briga com ninguém”. Amauri respondeu: “mas eu tenho um cartaz, com uma frase do Evandro aqui na minha sala, que diz – Não temos amigos pra proteger, nem inimigos para perseguir”. Sabem qual foi a resposta de Kamel? “Amaury, o Evandro está morto”.

Era a senha. Algumas semanas depois, Amauri foi derrubado.

Kamel foi o ideólogo da “retomada consevadora” na Globo durante os
anos Lula. Amauri foi “exilado” num cargo em Nova Yorque. Patrícia
Poeta partiu com ele. Os dois aproveitaram a fase de “baixa” pra fazer
“do limão uma limonada”. Sobre isso, o Marco Aurélio escreveu, no
“Doladodelá”.

Alguns anos depois, Amauri voltou ao Brasil para coordenar projetos
especiais; Patrícia Poeta foi encaixada no “Fantástico”. Só que Amauri
e Kamel não se falavam. Tenho informação segura de que, ainda hoje,
quando se cruzam nos corredores do Jardim Botânico, os dois se
ignoram.

Quando são obrigados a sentar na mesma mesa, em almoços da
direção, não dirigem a palavra um ao outro. Amauri sabe como Kamel
tramou para derrubá-lo.

Pois bem. Já há alguns meses, logo depois da eleição de 2010,
recebemos a informação de que Ali Kamel estava perdendo poder. Claro,
manteria o cargo e o status de diretor, até porque prestou serviços à
família Marinho – que pode ser acusada de muita coisa, mas não de
ingratidão.

Otavio Florisbal, diretor geral da Globo, deu uma entrevista ao UOL no primeiro semestre de 2011 dizendo que a Globo não falava direito para
a classe C (o Brasil do lulismo).

Por isso, trocou apresentadores tidos como “elitistas” (Renato Machado saiu pra dar lugar ao ótimo Chico Pinheiro – aliás, também amigo de Amauri). A  Globo do Kamel não serve mais.

Lembremos que, desde o começo do governo Lula, a Globo de Kamel
implicava com o “Bolsa-Família”. Kamel é um ideólogo conservador. Por
isso, nós o chamávamos de “Ratzinger” na Globo.

É contra quotas nas universidades, acha que racismo não existe no Brasil. Botou a Globo na oposição raivosa, promoveu a manipulação de 2006 na reeleição de Lula (por não concordar com isso, eu e mais três ou quatro colegas fomos expurgados da Globo em 2006/2007).

E promoveu a inesquecível cobertura da “bolinha de papel” em 2010 – botando o perito Molina no “JN”. Nas reuniões internas do “comitê” global, ao lado de Merval Pereira, tentava convencer os irmãos Marinho dos “perigos” do lulismo.

Lula sabe o que Kamel aprontou. Tanto que no debate do segundo turno, em 2006, nem cumprimentou Kamel quando o viu no estúdio da Globo. Isso me contou uma amiga que estava lá.

Os irmãos Marinho parecem ter percebido que Kamel os enganou. O
lulismo, em vez de perigo, mudou o Brasil pra melhor. Mais que isso: a
Globo agora precisa de Dilma para enfrentar as teles, que chegam com
muito dinheiro e apetite para disputar o mercado de comunicação.

Kamel já não serve para os novos tempos. Assim como os “pitbulls” Diogo Mainardi e Mario Sabino não servem para a “Veja”.

Dilma buscou os donos da mídia, passada a eleição, e propôs a
“normalização” de relações. O governo seguiu apanhando, na área
“ética” – é verdade. O que não atrapalha a imagem de Dilma.

Há quem veja na tal “faxina” um jogo combinado entre a presidenta e os donos da mídia. Será? Dilma tiraria as “denúncias” de letra (o custo ficaria para Lula e os aliados). Do outro lado, os “pitbulls” perderiam
terreno na mídia.

É a tal “normalização”. Considero um erro estratégico de Dilma. Mas quem sou eu pra achar alguma coisa. O fato é que a estratégia hoje é essa!

Patricia Poeta no “JN” parece indicar que a “normalização” passa por
Ali Kamel longe do dia-a-dia na Globo (ele ainda tenta manobrar aqui e
ali, mas já sem a mesma desenvoltura). Isso pode ser bom para o
Brasil.

Não é coincidência que a Globo tenha permitido, há poucos dias, aquela entrevista do Boni admitindo manipulação do debate de 89. A entrevista (feita pelo excelente jornalista Geneton de Moraes Neto) foi ao ar na “Globo News”.

Alguém acha que iria ao ar sem conhecimento da família
Marinho? Isso não acontece na Globo!

Durante os anos de poder total de Kamel, a Globo tentou “reescrever” o passado – em vez de reconhecer os erros. Kamel chegou a escrever artigo hilário, tantando negar que a Globo tenha manipulado a
cobertura das Diretas.

Virou piada. Até o repórter que fez a “reportagem” em 84 contou pros colegas na redação (eu estava lá, e ouvi) – “o Ali é louco de tentar negar isso; todo mundo viu no ar”.

Ali Kamel nega o racismo, nega a manipulação, nega a realidade. Freud explica.

Agora, Boni reconhece que a Globo manipulou em 89. Isso faz parte do movimento de “normalização”. O enfraquecimento de Kamel também faz.

Tudo isso está nos bastidores da troca de apresentadores do “JN”. Mas  claro que há mais. Há a estratégia televisiva, pura e simples. Fátima
Bernardes deve comandar um programa matutino na Globo.

As manhãs são hoje o principal calcanhar de aquiles da emissora carioca. A Record ganha ou empata todos os dias. Com o “Fala Brasil”, e com o “Hoje em Dia”. Ana Maria Braga não dá mais conta da briga – apesar de ainda trazer muita grana e patrocinadores.

Fátima deve ter um novo programa nas manhãs. Ana Maria será mantida Até porque na Globo as mudanças são sempre lentas – como no Comitê Central do PC da China. A Globo é um transatlântico que se manobra lentamente.

Se a Fátima emplacar, pode virar uma nova Ana Maria. O programa dela deve contar com outras estrelas globais (Pedro Bial, quem sabe?).

A mudança de apresentadores tem esse duplo sentido: enfraquecimento de Kamel (que continuará a ter seu camarote no transatlântico global, mas talvez já não frequente tanto a cabine de comando); e estratégia pra recuperar audiência nas manhãs.