quinta-feira, 25 de outubro de 2012
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
Ministro Joaquim Barbosa diz que votou em Dilma e enche a bola de Lula
Ministro Joaquim Barbosa, do STF |
Por Lais Amaral
Relator do mensalão, o Ministro Joaquim Barbosa, do STF deu entrevista à jornalista Mônica Bergamo, da Folha e falou de politica, do STF, de racismo. Disse que votou em Lula e Dilma e elogiou o ex-Presidente da República petista. A entrevista foi publicada no dia 7 de outubro passado.
COLUNISTA DA FOLHA DE SÃO PAULO
O "dia mais chocante" da vida de Joaquim Benedito Barbosa
Gomes, 57, segundo ele mesmo, foi 7 de maio de 2003, quando entrou no Palácio
do Planalto para ser indicado ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) pelo
então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A ocasião era especial: ele seria o primeiro negro a ser nomeado para o
tribunal.
"Eu já cheguei na presença de José Dirceu [então ministro da Casa
Civil], José Genoino [então presidente do PT], aquela turma toda, para o
anúncio oficial. Sempre tive vida reservada. Vi aquele mar de câmeras,
flashes...", relembrava ele em seu gabinete na terça-feira, 2.
No dia seguinte à entrevista com a Folha, e nove anos depois da data
memorável de sua nomeação, Joaquim Barbosa condenou Dirceu e Genoino por
corrupção.
Para conversar com o jornal, impôs uma condição: não falar sobre o
processo, ainda em andamento no STF.
O TELEFONE TOCA
Barbosa diz que foi Frei Betto, que o conhecia por terem participado do
conselho de ONGs, que fez seu currículo "andar" no governo.
"Eu passava temporada na Universidade da Califórnia, Los Angeles.
Encontrei Frei Betto casualmente nas férias, no Brasil. Trocamos cartões.
Um
belo dia, recebo e-mail me convidando para uma conversa com [o então ministro
da Justiça] Márcio Thomaz Bastos em Brasília." Guarda a mensagem até hoje.
"Vi o Lula pela primeira vez no dia do anúncio da minha posse. Não
falei antes, nem por telefone. Nunca, nunca."
Por pouco, não faltou à própria cerimônia. "Veja como esse pessoal
é atrapalhado: eles perderam o meu telefone [gargalhadas]."
Dias antes, tinha sido entrevistado por Thomaz Bastos. "E
desapareci, na moita." Isso para evitar bombardeio de candidatos à mesma
vaga.
"Na hora de me chamar para ir ao Planalto, não tinham o meu
contato." Uma amiga do governo conseguiu encontrá-lo. "Corre que os
caras vão fazer o seu anúncio hoje!"
Depois, continuou distante de Lula. Não foi procurado nem mesmo nos
momentos cruciais do mensalão. "Nunca, nem pelo Lula nem pela [presidente]
Dilma [Rousseff]. Isso é importante. Porque a tradição no Brasil é a pressão.
Mas eu também não dou espaço, né?"
O ministro votou em Leonel Brizola (PDT) para presidente no primeiro
turno da eleição de 1989. E depois em Lula, contra Collor. Votou em Lula de
novo em 2002.
"Vou te confidenciar uma coisa, que o Lula talvez não saiba: devo
ter sido um dos primeiros brasileiros a falar no exterior, em Los Angeles, do
que viria a ser o governo dele. Havia pânico. Num seminário, desmistifiquei:
'Lula é um democrata, de um partido estabelecido. As credenciais democráticas
dele são perfeitas'."
O escândalo do mensalão não influenciou seu voto: em 2006, já como
relator do processo, escolheu novamente o candidato Lula, que concorria à
reeleição.
"Eu não me arrependo dos votos, não. As mudanças e avanços no
Brasil nos últimos dez anos são inegáveis. Em 2010, votei na Dilma."
DE LADO
No plenário do STF, a situação muda. Barbosa diz que "um magistrado
tem deveres a cumprir" e que a sociedade espera do juiz
"imparcialidade e equidistância em relação a grupos e organizações".
Sua trajetória ajuda. "Nunca fiz política. Estudei direito na
Universidade de Brasília de 75 a 82, na época do regime militar. Havia
movimentos significativos. Mas estive à parte. Sempre entendi que filiação
partidária ou a grupos, movimentos, só serve para tirar a sua liberdade de
dizer o que pensa."
VENCEDOR E VENCIDO
Barbosa gosta de dizer que não tem "agenda". Em 2007, relatou
processo contra Paulo Maluf (PP-SP). Delfim Netto não era encontrado para depor
como testemunha. Barbosa propôs que o processo continuasse. Foi voto vencido no
STF. O caso prescreveu.
No mesmo ano, relatou processo em que o deputado Ronaldo Cunha Lima
(PSDB-PB) era acusado de tentativa de homicídio. O réu renunciou ao mandato e
perdeu o foro privilegiado. Barbosa defendeu que fosse julgado mesmo assim. Foi
voto vencido no STF.
Em 2009, como relator do mensalão do PSDB, propôs que a corte acolhesse
denúncia contra o ex-governador de Minas Gerais Eduardo Azeredo. Quase foi voto
vencido no STF -ganhou por 5 a 3, com três ministros ausentes.
Dois anos antes, relator do mensalão do PT, propôs que a corte acolhesse
denúncia contra José Dirceu e outros 37 réus. Ganhou por 9 a 1.
NOVELA RACISTA
Barbosa já disse que a imprensa "nunca deu bola para o mensalão
mineiro", ao contrário do que faz com o do PT. "São dois pesos e duas
medidas", afirma.
A exposição na mídia não o impede de fazer críticas até mais ácidas.
"A imprensa brasileira é toda ela branca, conservadora. O
empresariado, idem", diz. "Todas as engrenagens de comando no Brasil
estão nas mãos de pessoas brancas e conservadoras."
O racismo se manifesta em "piadas, agressões mesmo". "O
Brasil ainda não é politicamente correto. Uma pessoa com o mínimo de
sensibilidade liga a TV e vê o racismo estampado aí nas novelas."
Já discutiu com vários colegas do STF. Mas diz que polêmicas "são
muito menos reportadas, e meio que abafadas, quando se trata de brigas entre
ministros brancos".
"O racismo parte da premissa de que alguém é superior. O negro é
sempre inferior. E dessa pessoa não se admite sequer que ela abra a boca. 'Ele
é maluco, é um briguento'. No meu caso, como não sou de abaixar a crista em
hipótese alguma..."
Barbosa, que já escreveu um livro sobre ações afirmativas nos EUA, diz
que o racismo apareceu em sua "infância, adolescência, na maturidade e
aparece agora".
Há 30 anos, já formado em direito e trabalhando no Itamaraty como
oficial de chancelaria -chegou a passar temporada na embaixada da Finlândia-,
prestou concurso para diplomata. Passou. Foi barrado na entrevista.
DE IGUAL PARA IGUAL
É o primeiro filho dos oito que o pai, Joaquim, e a mãe, Benedita,
tiveram (por isso se chama Joaquim Benedito).
Em Paracatu, no interior de Minas, "Joca" teve uma infância
"de pobre do interior, com área verde para brincar, muito rio para nadar,
muita diversão". Era tímido e fechado.
A mãe era dona de casa. O pai era pedreiro. "Mas ele era aquele
cara que não se submetia. Tinha temperamento duro, falava de igual para igual
com os patrões. Tanto é que veio trabalhar em Brasília, na construção, mas se
desentendeu com o chefe e foi embora", lembra Joaquim.
O pai vendeu a casa em que morava com a família e comprou um caminhão.
Chegou a ter 15 empregados no boom econômico dos anos 70. "E levava a
garotada para trabalhar." Entre eles, o próprio Joaquim, então com 10
anos.
RUMO A BRASILIA
No começo da década, Barbosa se mudou para a casa de uma tia na cidade do
Gama, no entorno de Brasília.
Cursou direito, trabalhou na composição gráfica de jornais, no
Itamaraty. Ingressou por concurso no Ministério Público Federal.
Tirou licenças para fazer doutorado na Universidade de Paris-II. E
passou períodos em universidades dos EUA como acadêmico visitante. Fala
francês, inglês e alemão.
Hoje, Barbosa fica a maior parte do tempo em Brasília, onde moram a mãe,
os sete irmãos e os sobrinhos. O pai já morreu. Benedita é evangélica e
"superpopular". Em seu aniversário de 76 anos, juntou mais de 500
pessoas.
O ministro tem também um apartamento no Leblon, no Rio, cidade onde vive
seu único filho, Felipe, 26. Se separou há pouco de uma companheira depois de
12 anos de relacionamento.
PÚBLICO
A Folha pergunta se Barbosa não tem o "cacoete da condenação"
por ter feito carreira no Ministério Público, a quem cabe formular a acusação
contra réus.
"De jeito nenhum. O que eu tenho do MP é esse espírito de
preocupação com a coisa pública. Mesmo porque não morro de amores por direito
penal. Sou especialista em direito público."
DEVER
Nega que tenha certa aversão por advogados [ver página ao lado]. E nega
também que tenha prazer em condenar, sem qualquer tipo de piedade em relação à
pessoa que perderá a liberdade.
"É uma decisão muito dura. Mas é também um dever."
"O problema é que no Brasil não se condena", diz. "Estou
no tribunal há sete anos, e esta é a segunda vez que temos que condenar. Então
esse ato, para mim e para boa parte dos ministros do STF, ainda é muito
recente."
Diante de centenas de grandes escândalos de corrupção no Brasil, e de só
o mensalão do PT ter chegado ao final, é possível desconfiar que a máquina de
investigação e punição só funcionou para este caso e agora será novamente
desligada?
"Não acredito", diz Barbosa. "Haverá uma vigilância e uma
cobrança maior do Supremo. Este julgamento tem potencial para proporcionar
mudanças de cultura, política, jurídica. alguma mudança certamente virá."
MEQUETREFE
O caso Collor, por exemplo, em que centenas de empresas foram acusadas de
pagar propina para o tesoureiro do ex-presidente, chegou
"desidratado" ao STF, diz o ministro. "Tinha um ex-presidente
fora do jogo completamente. E, além dele, o quê? O PC, que era um
mequetrefe."
O país estava "mais próximo do período da ditadura" e o
Ministério Público tinha recém-conquistado autonomia, com a Constituição de
1988. Até 2001, parlamentares só eram processados no STF quando a Câmara
autorizava. "Tudo é paulatino. Mas vivemos hoje num país diferente."
PONTO FINAL
Desde o começo do julgamento do mensalão, o ministro usa um escapulário
pendurado no pescoço. "Presente de uma amiga", afirma.
Depois de flagrado cochilando nas primeiras sessões, passou a tomar
guaraná em pó no começo da tarde.
Diz que não gosta de ser tratado como "herói" do julgamento.
"Isso aí é consequência da falta de referências positivas no país. Daí a
necessidade de se encontrar um herói. Mesmo que seja um anti-herói, como
eu."
segunda-feira, 15 de outubro de 2012
Mensalão: nem tudo que reluz é ouro
Ayres, Melo e Gilmar Mendes, ministros do STF |
Por Lais Amaral
Algumas linhas sobre o chamado “mensalão”, que, diferente do que pinta a
Grande Imprensa e até como deixa transparecer o Supremo Tribunal Federal (STF),
não é bem o que aparenta.
É na verdade o horrendo ‘Caixa 2’, e todos que acompanham a política eleitoral
mais por dentro identificam isso. Sou totalmente contra essa prática e erraram
e erram todos que alimentam esse vício em nossa política. O que acontece também
nas esferas estadual e municipal.
Por isso sou favorável ao financiamento público e limitado das campanhas
eleitorais. Para o qual o Congresso sempre torce o nariz, quando partidos como
o PT tentam levar à votação essa proposta. Esse tipo de reforma é rejeitada
sistematicamente pela maioria de nossos congressistas (deputados e senadores).
Condeno o ‘Caixa 2’ mas também não posso aceitar que um partido seja estigmatizado
como o criador dessa miséria.
Isso é coisa antiga e mesmo, da forma sofisticada como conhecemos hoje, foi
criada há quatorze anos pelo PSDB mineiro do hoje deputado federal Eduardo
Azeredo com o mesmo Marcos Valério e, que também está para ser julgado no STF.
E no
processo que espera julgamento, embora seja mais antigo, aparece o nome de um
dos juízes dessa mais alta Corte do país, o ministro Gilmar Mendes. Foi um dos
beneficiados, quando era ainda advogado geral da União, segundo matéria da
revista Carta Capital, de julho deste ano.
Lista com registro de
suposto pagamento a Gilmar Mendes quando era advogado geral da União. Toda a
documentação registrada aparece em papel timbrado da agência publicitária
SMP&B Comunicação, de Marcos Valério. O documento tem firma de Valério reconhecida
no Cartório do 1º Ofício de BH. A Editora Abril também beneficiada aparece na
lista, duas linhas abaixo de Gilmar Mendes.
Reproduzo a seguir quatro artigos com opiniões e constatações
interessantes. Três são de dois colunistas consagrados, o Paulo Moreira Leite,
da ‘Revista Época’ e Jânio de Freitas, da ‘Folha de São Paulo’. Ambos
respeitados e pertencentes a órgãos da grande imprensa para não dizer que estou
arrolando jornalistas anônimos e parciais nas análises.
O quarto artigo é do jurista Luiz Flávio Gomes, juiz, professor,
consultor, enfim, alguém que entende do metiê.
Leiam e acumulem mais essas informações para auxiliar nas suas
conclusões e avaliações sobre o “mensalão” deixando de lado a espetaculosa e
sensacionalista cobertura “jornalística” do julgamento.
Artigo 1
10/10/2012
Por Paulo
Moreira Leite
Talvez seja a idade, quem sabe as lembranças ainda
vivas de quem atravessou a adolescência e o início da idade adulta em plena
ditadura. Mas não consigo conviver com a ideia de que cidadãos como José
Genoíno e José Dirceu possam ser condenados por corrupção ativa sem que sejam
oferecidas provas consistentes e claras. A Justiça é um direito de todos. Mas
não estamos falando de personagens banais.
Sei que os mandantes de atos considerados
criminosos não assinam papéis, não falam ao telefone nem deixam impressão
digital. Isso não me leva a acreditar que toda pessoa que não assina papel, não
fala ao telefone nem deixa impressão digital seja chefe de uma quadrilha.
Sei que existe a teoria do domínio do fato. Mas ela
não é assim, um absoluto. Tanto que, recentemente, o célebre Taradão, apontado,
por essa visão, como mandante do assassinato de irmá Dorothy, conseguiu
sentença para sair da prisão. Contra Taradão havia confissões, testemunhas
variadas, uma soma impressionante de indícios que não vi no mensalão.
Mesmo assim, ele foi solto.
Não estamos no universo do crime comum. Estamos no
mundo cinzento da política brasileira, como disse o professor José Arthur
Gianotti, pensador do país e, para efeitos de raciocínio, tucano dos tempos em
que a geração dele e de Fernando Henrique lia O Capital.
O país político funciona neste universo cinzento
para todos os partidos. Eu acho, de saída, que é inacreditável que dois
esquemas tão parecidos, que movimentaram quantias igualmente espantosas, tenham
recebido tratamentos diferentes – no mesmo tempo e lugar.
O centro desse universo é uma grande falsidade. O
mensalão dos petistas, que condenou Dirceu e Genoíno, foi julgado pelo Supremo
em clima de maior escândalo da história, definição que, por si só, já pedia,
proporcionalmente, a maior condenação da história.
Já o mensalão do PSDB-MG escapou pela porta dos
fundos. Ninguém sabe quando será julgado, ninguém saberá quando algum nome mais
importante for absolvido em instancias inferiores, ninguém terá ideia do
destino de todos. Bobagem ficar de plantão a espera do resultado final. Esse
barco não vai chegar.
O caminho foi diferente, a defesa terá mais chances
e oportunidades. Não dá para corrigir.
O PSDB-MG passará, no mínimo, por duas instâncias.
Quem sabe, algum condenado ainda poderá bater às portas do STF – daqui a alguns
anos. Bons advogados conseguem tanta coisa, nós sabemos…
Não há reparação possível. São rios que seguiram
cursos diferentes, para nunca mais se encontrar.
Partindo desse julgamento desigual, eu fico
espantado que Dirceu tenha sido condenado quando os dois principais casos
concretos – ou provas – contra ele se mostraram muito fracas.
Ponto alto da denúncia de Roberto Jefferson contra
Dirceu, a acusação de que Marcos Valério fez uma viagem a Portugal para arrumar
dinheiro para o PTB e o PT se mostrou uma história errada. Lobista de
múltiplas atividades, Valério viajou a serviço de outro cliente, aquele
banqueiro da privatização tucana que ficou de fora do julgamento. Ricardo
Lewandoswski explicou isso e não foi contestado.
Outra grande acusação, destinada a sustentar que
Dirceu operava o esquema como se fosse o dono de uma rede de fantoches,
revelou-se muito mais complicada do que parecia. Estou falando da denúncia de
que, num jantar em Belo Horizonte, Dirceu teria se aliado a Katia Rebelo,
a dona do Banco Rural, para lhe dar a “vantagem indevida” pelos serviços
prestados no mensalão.
A tese é que Dirceu entrou em ação para ajudar a
banqueira a ganhar uma bolada – no início falava-se em bilhões – com o
levantamento da intervenção do Banco Central no Banco Mercantil de Pernambuco.
O primeiro problema é que nenhuma testemunha presente ao encontro diz que eles
sequer tocaram no assunto.
Mas é claro que você não precisa acreditar nisso.
Pode achar que eles combinaram tudo para mentir junto. Por que não?
Mas a sequencia da história não ajuda. Valério foi
17 vezes ao BC e ouviu 17 recusas. A intervenção no Banco Mercantil
só foi levantada dez anos depois, quando todos estavam longe do governo.
Rendeu uma ninharia em comparação com o que foi anunciado.
De duas uma: ou a denuncia de que Dirceu trabalhava
para ajudar o Banco Rural a recuperar o Mercantil era falsa. Ou a denuncia é
verdadeira e ele não tinha o controle total sobre as coisas.
Ou não havia domínio. Ou não havia fato.
Aonde estão os super poderes de Dirceu?
Estão na “conversa”, dizem. Estão no “eu sabia”, no
“só pode ser”, no “não é crível” e assim por diante. Dirceu conversava e
encontrava todo mundo, asseguram os juízes. Mas como seria possível coordenar
um governo sem falar nem conversar? Sem sentar-se com cada um daqueles
personagens, articular, sugerir, dirigir. Conversar seria prova de alguma
coisa?
Posso até imaginar coisas. Posso “ter certeza.”
Posso até rir de quem sustenta o contrário e achar que está zombando da minha
inteligência.
Mas para condenar, diz a professora Margarida
Lacombe, na GloboNews, é preciso de provas robustas, consistentes. Ainda
vivemos no tempo em que a acusação deve apresentar provas de culpa.
Estamos privando a liberdade das pessoas, o seu
direito de andar na rua, ver os amigos, e, acima de tudo, dizer o que pensa e
lutar pelas próprias ideias.
Estamos sob um regime democrático, onde a liberdade
– convém não esquecer – é um valor supremo. Podemos dispor dela, assim, a
partir do razoável?
Genoíno também foi condenado pelo que não é crível,
pelo não pode ser, pelo nós não somos bobos. Ainda ouviu uma espécie de sermão.
Disseram que foi um grande cara na luta contra a ditadura mas agora teve um
problema no meio da estrada, um desvio, logo isso passa.
Julgaram a pessoa, seu comportamento. E ouviu a
sentença de que seu caráter apresentou falhas.
Na falta de provas, as garantias individuais, a
presunção da inocência, foram diminuídas, em favor da teoria que permite
condenar com base no que é “plausível”, no que é “crível” e outras palavras
carregadas de subjetividade, de visão
Não custa lembrar – só para não fazer o papel de
bobo — que se deixou de lado o empresário das privatizações tucanas que foi um
dos primeiros a contribuir para o esquema, um dos últimos a aparecer e, mais
uma vez, um dos primeiros a sair.
Já perdemos a conta de casos arquivados no Supremo
por falta de provas, ou por violação de direitos individuais, ou lá o que for,
numa sequência de impunidades que – involuntariamente — ajudou a formar o clima
do “vai ou racha” que levou muitos cidadãos honestos e indignados a aprovar o
que se passou no julgamento, de olhos fechados.
Juizes do STF emparedaram o governo Lula,
ainda no exercício do cargo, em função de uma denuncia – absurdamente falsa –
de que um de seus ministros fora grampeado, em conversa com o notável senador
Demóstenes Torres, aquele campeão da moralidade que tinha o celular do
bicheiro, presentes do bicheiro, avião do bicheiro…o mesmo bicheiro que ajudou
a fazer várias denuncias contra o governo Lula, inclusive o vídeo dos Correios
que é visto como o começo do mensalão.
Prova de humildade: os ministros do STF também pode
se enganar. Apontado como suspeito pelo caso, o delegado Paulo Lacerda
perdeu o posto. Dois anos depois, a Polícia Federal divulgou que, conforme seu
inquérito, não havia grampo algum. Nada.
A condenação contra José Genoíno e José Dirceu
sustenta-se, na verdade, pelo julgamento de caráter dos envolvidos. Achamos que
eles erraram. Não há fatos, não há provas. Mas cometeram “desvios”.
Aí, nesse terreno de alta subjetividade, é que a
condenação passa a fazer sentido. Os poucos fatos se juntam a uma concepção
anterior e formam uma culpa.
A base deste raciocínio é a visão criminalizada de
determinada política e determinados políticos. (Sim. De uma vez por todas: não são todos os
políticos. O mensalão PSDB-MG lembra, mais uma vez, que se fez uma distinção
entre uns e outros.)
Os ministros se convenceram de que “sabem” que o
governo “comprava apoio” no Congresso. Não contestam sequer a visão do
procurador geral, que chega a falar em sistema de “suborno”, palavra tão forte,
tão crua, que se evita empregar por revelar o absurdo de toda teoria.
Suborno, mesmo, sabemos de poucos e não envolvem o
mensalão. Foram cometidos em 1998, na compra de votos para a reeleição. Mas
pode ter havido, sim, casos de suborno.
Mas é preciso demonstrar, mesmo que não seja
preciso uma conversa grampeada, como Fernando Rodrigues revelou em 1998.
Nesta visão, confunde-se compensações
naturais da política universal com atitudes criminosas, como crimes
comuns. Quer-se mostrar aos políticos como fazer politica – adequadamente.
Chega-se ao absurdo. Deputados do PT, que nada
fariam para prejudicar um governo que só conseguiu chegar ao Planalto na quarta
tentativa, são acusados de terem vendido seu apoio em troca de dinheiro. Não há
debate, não há convencimento, não há avaliação de conjuntura. Não há política.
Não há democracia – onde as pessoas fazem alianças, mudam de ideia, modificam
prioridades. Como certas decisões de governo, como a reforma da Previdência,
não pudessem ser modificadas, por motivos corretos ou errados, em nome do
esforço para atravessar aquele ano terrível de 2003, sem crescimento,
desemprego alto, pressão de todo lado.
A formula é tudo por dinheiro é nome de programa de
TV, não de partido político.
Imagino se, por hipótese, a Carta ao Povo
Brasileiro, que contrariou todos os programas que o PT já possuiu desde o
encontro de fundação, no Colégio Sion, tivesse de ser aprovada pelo Congresso.
Tenho outra dúvida. Se este é um esquema criminoso,
sem relação com a política, alguém poderia nos apresentar – entre os deputados,
senadores, assessores incriminados – um caso de enriquecimento. Pelo menos um,
por favor. Porque a diferença, elementar, para mim, é essa.
Dinheiro da política vai para a eleição, para a
campanha, para pagar dívidas. Coisas, aliás, que a denuncia de Antônio Fernando
de Souza, o primeiro procurador do caso, reconhece.
Decepção. Não há este caso. Nenhum político ficou
rico com o mensalão. Se ficou, o que é possível, não se provou.
Claro que o Delúbio, deslumbrado, fumava charutos
cubanos. Claro que Silvinho Pereira ganhou um Land Rover. A ex-mulher de Zé
Dirceu, separada há anos, levou um apartamento e conseguiu um emprego.
Mas é disso que estamos falando? É este o “maior
escândalo da história”?
Os desvios de dinheiro público, comprovados, são
uma denúncia séria e grave. Deve ser apurada e os responsáveis, punidos.
Mas não sabemos sequer quanto o mensalão
movimentou. Dois ministros conversaram sobre isso, ontem, e um deles concluiu
que era coisa de R$ 150 milhões. Queria entender por que se chegou a este
número.
Conforme a CPMI dos Correios, é muito mais. Só a
Telemig – daquele empresário que ficou esquecido – compareceu com maravilhosos
R$ 122 milhões, sendo razoável imaginar que, pelo estado de origem, seu destino
tenha sido o modelo PSDB-MG. Mas o Visanet entregou R$ 92,1 milhões, diz a
CPMI. A Usiminas – olha como é grande o braço mineiro – mandou R$ 32
milhões para as agências de Marcos Valério. Mas é bom advertir: isso está na
CPMI, não é prova, não é condenação.
A principal testemunha, Roberto Jefferson, acusou,
voltou atrás, acusou de novo… Fez o jogo que podia e que lhe convinha a cada
momento. Disse até que o mensalão era uma criação mental. (Está lá, no
depoimento à Polícia Federal).
Eu posso pinçar a frase que quiser e construir uma
teoria. Você pode pinçar outra frase e construir outra teoria. Jefferson foi
uma grande “obra aberta” do caso. O nome disso é falta de provas.
Artigo 2
12/10/2012
Por Paulo
Moreira Leite
Confesso que ainda estou chocado com o voto
de Ayres Britto, ao condenar oito réus do mensalão, ontem.
O ministro disse:
“[O objetivo do esquema era] um projeto
de poder quadrienalmente quadruplicado. Projeto de poder de continuísmo seco,
raso. Golpe, portanto”
Denunciar golpes de Estado em curso é
um dever de quem tem compromissos com a democracia.
Denunciar golpes de Estado imaginários
é um recurso frequente quando se pretende promover uma ruptura institucional.
O caso mais recente envolveu Manoel
Zelaya, o presidente de Honduras. Em 2009 ele foi arrancado da cama e, ainda de
pijama, conduzido de avião para um país vizinho.
Acusava-se Zelaya de querer dar um
golpe para mudar a Constituição e permanecer no poder. Uma denúncia tão fajuta
que – graças ao Wikileaks – ficamos sabendo que até a embaixada dos EUA definiu
a queda de Zelaya como golpe. Mais tarde, ao reavaliar o que mais convinha a
seus interesses de potência, a Casa Branca mudou de lado e encontrou
argumentos para justificar a nova postura, fazendo a clássica conta de chegar
para arrumar fatos e os argumentos.
Em 31 de março de 64, tivemos um golpe
de Estado de verdade, que jogou o país em 21 anos de ditadura.
O golpe foi preparado pela denúncia
permanente de um golpe imaginário, que seria preparado por João Goulart para
transformar o país numa “república sindicalista.” Basta reconstituir os passos
da conspiração civil-militar para reconhecer: o toque de prontidão do golpismo
consistia em denunciar projetos anti democráticos de Jango.
Considerando antecedentes conhecidos, o
voto de Ayres Britto é preocupante porque fora da realidade.
Vamos afirmar: não há e nunca houve um
projeto de golpe no governo Lula. Nem de revolução. Nem de continuísmo
chavista. Nem de alteração institucional que pudesse ampliar seus poderes de
alguma maneira.
Lula poderia ter ido as ruas pedir o
terceiro mandato. Não foi e não deixou que fossem. Voltou para São Bernardo
mas, com uma história maior do que qualquer outro político brasileiro, não o
deixam em paz. Essa é a verdade. Temos um ex grande demais para o papel. Isso
porque o PT quer extrair dele o que puder de prestígio e popularidade. A
oposição quer o contrário. Sabe que sua herança é um obstáculo imenso aos
planos de retorno ao poder.
Ouvido pelo site Consultor Jurídico, o
professor Celso Bandeira de Mello, um dos principais advogados brasileiros, deu
uma entrevista sobre o mensalão, ainda no começo do processo:
ConJur — Como o senhor vê o processo do
mensalão?
Celso Antônio Bandeira de Mello − Para
ser bem sincero, eu nem sei se o mensalão existe. Porque houve evidentemente um
conluio da imprensa para tentar derrubar o presidente Lula na época. Portanto,
é possível que o mensalão seja em parte uma criação da imprensa. Eu não estou
dizendo que é, mas não posso excluir que não seja.
Bandeira de Mello é amigo e conselheiro
de Lula. Foi ele quem indicou Ayres Britto para o Supremo. A nomeação de Brito
– e de Joaquim Barbosa, de Cesar Pelluzzo – ocorreu na mesma época em que
Marcos Valério e Delúbio Soares andavam pelo Brasil para, segundo o presidente
do Supremo, arrumar dinheiro para o “continuísmo seco, raso.”
Os partidos políticos podem ter,
legitimamente, projetos duradouros de poder. É inevitável, porque poucas ideias
boas podem ser feitas em quatro anos.
Os tucanos de Sérgio Motta queriam
ficar 25 anos. Ficaram oito. Lula e Dilma, somados, já garantiram uma
permanência de 12.
Tanto num caso, como em outro, tivemos
eleições livres, sob o mais amplo regime de liberdades de nossa história.
Para quem gosta de exemplos de fora,
convém lembrar que até há pouco o padrão, na França, eram governos de 14 anos –
em dois mandatos de sete. Nos Estados Unidos, Franklin Roosevelt foi eleito
para quatro mandatos consecutivos, iniciando um período em que os democratas
passaram 20 anos seguidos na Casa Branca. Os democratas de Bill Clinton
poderiam ter ficado 12 anos. Mas a Suprema Corte, com maioria republicana,
aproveitou uma denúncia de fraude na Flórida para dar posse a George W.
Bush, decisão ruinosa que daria origem a uma tragédia de impacto
internacional, como todos sabemos.
O ministro me desculpe mas eu acho que,
para falar do mensalão como parte de projeto de “continuísmo seco,
raso,” é preciso considerar o Brasil uma grande aldeia de Gabriel Garcia
Márquez. Em vez da quinta ou sexta economia do mundo, jornais, emissoras
de TV, bancos poderosos, um empresariado dinâmico, trabalhadores organizados
e 100 milhões de eleitores, teríamos de coronéis bigodudos com panças
imensas, latifúndios a perder de vista, cidadãos dependentes, morenas lindas e
apaixonadas, capangas de cartucheira.
No mundo de Garcia Marquez, não há
democracia, nem conflito de ideias. Não há desenvolvimento, apenas
estagnação, tédio e miséria. Naquelas aldeias do interior remoto da
Colômbia, homens e mulheres famintos vivem às voltas de um poder único e
autoritário. Esmolam favores, promoções, presentes, pois ninguém tem força,
autonomia e muito menos coragem para resolver a própria vida. Desde a
infância, todos os cidadãos são ensinados a cortejar o poder, bajular. É seu
modo de vida. Como recompensa, recebem esmolas.
No mensalão de Macondo, seria assim.
Será esta uma visão adequada do Brasil?
Em 1954, no processo que levou ao
suicídio de Getúlio Vargas, também se falou em golpe.
Com apoio de uma imprensa radicalizada,
em campanhas moralistas e denuncias – muitas vezes sem prova – contra o
governo, dizia-se que Vargas pretendia permanecer no posto, num golpe
continuísta, com apoio do ”movimento de massas.”
Era por isso, dizia-se, que queria
aumentar o salario mínimo em 100%. Embora o mínimo tivesse sido congelado desde
1946, por pressão conservadora sobre o governo Eurico Dutra, a proposta de
reajuste era exibida como parte de um plano continuísta para agradar aos pobres
– numa versão que parece ter lançado os fundamentos para as campanhas sistemáticas
contra o Bolsa-Família, 50 anos depois.
Embora falasse em mercado interno,
desenvolvimento industrial e até tivesse criado a Petrobrás, é claro que Vargas
queria apenas, em aliança com o argentino Juan Domingo Perón (o Hugo
Chávez da época?), estabelecer uma comunhão sindicalista na América do Sul e
transformar todo mundo em escravo do peleguismo, não é assim? E agora
você, leitor, vai ficar surpreso.
Um dos grandes conspiradores contra Getúlio
Vargas, especialista em denunciar golpes imaginários, foi parar no Supremo.
Chegou a presidente, teve direito a um livro luxuoso com uma antologia de suas
sentenças.
Estou falando de Aliomar Baleeiro,
jurista que entrou no tribunal em 1965, indicado por Castelo Branco, o primeiro
presidente do ciclo militar, e aposentou-se em 1975, o ano em que o jornalista
Vladimir Herzog foi morto sob tortura pelo porão da ditadura.
Baleeiro deixou bons momentos em sua
passagem pelo Supremo. Defendeu várias vezes o retorno ao Estado de Direito.
Chegou a dar um voto a favor de frades
dominicanos que faziam parte do círculo de Carlos Marighella, principal líder
da luta armada no Brasil.
A ditadura queria condenar os frades.
Baleeiro votou a favor deles.
Tudo isso é muito digno mas não vamos
perder a o fio da história que nos ajuda a ter noção das coisas e aprender com
elas.
Em várias oportunidades, o ministro que
faria a defesa do Estado de Direito contribuiu para derrotá-lo.
O ministro chegou ao STF com uma longa
folha de serviços anti democráticos.
Em 1954, ele era deputado da UDN,
aquele partido que reunia a fina flor de um conservadorismo bom de
patrimônio e ruim de votos.
Um dos oradores mais empenhados no
combate a Getúlio Vargas , Baleeiro foi a tribuna da Câmara para pedir um
“golpe preventivo”. ( Pode-se conferir em “Era Vargas —
Desenvolvimentismo, Economia e Sociedade,” página 411, UNESP editora.)
Os adversários de Vargas tentaram a via
legal, o impeachment. Tiveram uma derrota clamorosa, como diziam os locutores
esportivos de vinte anos atrás: 136 a 35.
Armou-se, então, uma conspiração
militar. Alimentada pelo atentado contra Carlos Lacerda, que envolvia pessoas
do círculo de Vargas, abriu-se uma pressão que acabaria emparedando o
presidente, levado ao suicídio.
Baleeiro permaneceu na UDN e conspirou
contra a campanha de JK, contra a posse de JK e contra o governo JK.
Sempre com apoio nos jornais, foi um campeão de denúncias. Era aquilo
que, mais uma vez com ajuda da mídia, muitos brasileiros pensavam que era o
Demóstenes Torres – antes que a verdade do amigo Cachoeira viesse a tona.
Baleeiro estava lá, firme, no golpe que
derrubou Jango para combater a subversão e a …corrupção.
Foi logo aproveitado pelo amigo Castelo
Branco para integrar o STF. Já havia denuncia de tortura e de assassinatos
naqueles anos. Mortos que não foram registrados, feridos que ficaram sem nome.
Não foram apurados, apesar do caráter supremo das togas negras.
Entre 1971 e 1973, Baleeiro ocupava a
presidência do STF. Nestes dois anos, o porão do regime militar matou 70
pessoas.
Nenhum caso foi investigado nem punido,
como se sabe. Nem na época, quando as circunstâncias eram mais difíceis. Nem
quarenta anos depois, quando pareciam mais fáceis.
Em 1973, José Dirceu, que pertenceu a
mesma organização que Marighella, vivia clandestinamente no Brasil. Morou em
Cuba mas retornou para seguir na luta contra o regime militar. Infiltrado no
grupo, o inimigo atirou primeiro e todos morreram. Menos Dirceu. Os ossos de
muitos levaram anos para serem identificados. Nunca soubemos quem deu a ordem.
Não se apontou, como no mensalão, para
quem tinha o domínio do fato para a tortura, as execuções.
Um dos principais líderes do Congresso
da UNE, entidade que o regime considerava ilegal, Dirceu foi preso em 1968 e
saiu da prisão no ano seguinte. Não foi obra da Justiça, infelizmente, embora
estivesse detido pela tentativa de reorganizar uma entidade que desde os
anos 30 era reconhecida pelos universitários como sua voz política.
(Figurões da ditadura, como o
pernambucano Marco Maciel, que depois seria vice presidente de FHC, Paulo
Egydio Martins, governador de São Paulo no tempo de Geisel, tinham sido
dirigentes da UNE, antes de Dirceu).
A Justiça era tão fraca , naquele
período, que Dirceu só foi solto como resultado do sequestro do
embaixador Charles Elbrick, trocado por um grupo de presos políticos. Mas
imagine.
Foi preciso que um bando de militantes
armados, em sua maioria garotos enlouquecidos com Che Guevara, cometesse
uma ação desse tipo para que pessoas presas arbitrariamente, sem
julgamento, pudessem recuperar a liberdade. Que país era aquele, não? Que
Justiça, hein?
Preso no Congresso da UNE, também,
Genoíno foi solto e ingressou na guerrilha do Araguaia.
Apanhado e torturado em 1972, Genoíno
conseguiu esconder a verdadeira identidade durante dois meses. Estava em
Brasília quando a polícia descobriu quem ele era. Foi levado de volta a região
da guerrilha e torturado em praça pública, como exemplo.
Ontem a noite, José Dirceu e José
Genoíno foram condenados por 8 votos a 2 e 9 votos a 1.
Foi no final da sessão que Ayres Britto
falou em “projeto de poder de continuísmo seco, raso. Golpe, portanto”
Artigo 3
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Num corajoso artigo, Jânio de Freitas critica manchete do seu próprio
jornal, a Folha de Paulo que, ao noticiar a condenação de José Dirceu e José Genoino,
estampava a capa com a entrevista de Roberto Jefferson sobre a mesada paga pelo
PT aos parlamentares, o que jamais existiu.
A mesada e o mensalão
Por Janio de Freitas
Passados sete anos, ainda não se sabe
quanto houve de mentira na denúncia inicial de Roberto Jefferson
A mentira foi a geradora de todas as verdades, meias verdades, indícios
desprezados e indícios manipulados que deram a dimensão do escândalo e o
espírito do julgamento do "mensalão".
Por ora, o paradoxo irônico está soterrado no clima odiento que, das
manifestações antidemocráticas de jornalistas e leitores às agressões verbais
no Supremo, restringe a busca de elucidação de todo o episódio. Pode ser que
mais tarde contribua para compreenderem o nosso tempo de brasileiros.
Estava lá, na primeira página de celebração das
condenações de José Dirceu e José Genoino, a reprodução da primeira página da Folha em
6 de junho de 2005. Primeiro passo para a recente manchete editorializada
-CULPADOS-, a estonteante denúncia colhida pela jornalista Renata Lo Prete:
"PT dava mesada de R$ 30 mil a parlamentares, diz Jefferson". O
leitor não tinha ideia de que Jefferson era esse.
Era mentira a mesada de R$ 30 mil. Nem indício apareceu desse pagamento
de montante regular e mensal, apesar da minúcia com que as investigações o
procuraram. Passados sete anos, ainda não se sabe quanto houve de mentira, além
da mensalidade, na denúncia inicial de Roberto Jefferson. A tão citada conversa
com Lula a respeito de mesada é um exemplo da ficção continuada.
A mentira central deu origem ao nome -mensalão- que não se adapta à
trama hoje conhecida. Torna-se, por isso, ele também uma mentira. E, como
apropriado, o deputado Miro Teixeira diz ser mentira a sua autoria do batismo,
cujo jeito lembra mesmo o do próprio Jefferson.
Nada leva, porém, à velha ideia de alguém que atirou no que viu e
acertou no que não viu. A mentira da denúncia de Roberto Jefferson era de quem
sabia haver dinheiro, mas dinheiro grosso: ele o recebera. E não há sinal de
que o tenha repassado ao PTB, em nome do qual colheu mais de R$ 4 milhões e,
admitiria mais tarde, esperava ainda R$ 15 milhões. A mentira de modestos R$ 30
mil era prudente e útil.
Prudente por acobertar, eventualmente até para companheiros petebistas,
a correnteza dos milhões que também o inundava. E útil por bastar para a
vingança ou chantagem pela falta dos R$ 15 milhões, paralela à demissão de
gente sua por corrupção no Correio. Como diria mais tarde, Jefferson supôs que
o flagrante de corrupção, exibido nas TVs, fosse coisa de José Dirceu para
atingi-lo. O que soa como outra mentira, porque presidia o PTB e o governo não
hostilizaria um partido necessário à sua base na Câmara.
Da mentira vieram as verdades, as meias verdades e nem isso. Mas a
condenação de Roberto Jefferson, por corrupção passiva, ainda não é a verdade
que aparenta. Nem é provável que venha a sê-lo.
MAIS DEDUÇÃO
Em sua mais recente dedução para voto condenatório, o presidente do
Supremo, Ayres Britto, deu como certo que as ações em julgamento visaram a
"continuísmo governamental.
Golpe, portanto, nesse conteúdo da democracia que é o republicanismo,
que postula renovação dos quadros de dirigentes".
Desde sua criação e no mundo todo, alcançar o poder, e, se alcançado,
nele permanecer o máximo possível, é a razão de ser dos partidos políticos. Os
que não se organizem por tal razão, são contrafações, fraudes admitidas, não
são partidos políticos.
Sergio Motta, que esteve politicamente para Fernando Henrique como José
Dirceu para Lula, informou ao país que o projeto do PSDB era continuar no poder
por 20 anos.
Não há por que
supor que, nesse caso, o ministro Ayres Britto tenha deduzido haver golpe ou
plano golpista. Nem mesmo depois que o projeto se iniciou com a compra de
deputados para aprovar a reeleição.
Artigo 4
Setembro de 2012
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Mensalão: julgamento do STF pode não valer
Parece muito evidente que os advogados poderão tentar, junto
à Comissão Interamericana, a obtenção de uma inusitada medida cautelar para
suspensão da execução imediata das penas privativas de liberdade, até que seja
respeitado o direito ao duplo grau de jurisdição.
Muitos brasileiros estão acompanhando e aguardando o final
do julgamento do mensalão. Alguns com grande expectativa enquanto outros, como
é o caso dos réus e advogados, com enorme ansiedade.
Apesar da relevância ética, moral, cultural e política, essa
decisão do STF – sem precedentes - vai ser revisada pela Corte Interamericana
de Direitos Humanos, com eventual chance de prescrição de todos os crimes, em
razão de, pelo menos, dois vícios procedimentais seríssimos que a poderão
invalidar fulminantemente.
O julgamento do STF, ao ratificar com veemência vários
valores republicanos de primeira linhagem - independência judicial, reprovação
da corrupção, moralidade pública, desonestidade dos partidos políticos, retidão
ética dos agentes públicos, financiamento ilícito de campanhas eleitorais etc.
-, já conta com valor histórico suficiente para se dizer insuperável.
Do ponto de vista procedimental e do respeito às regras do
Estado de Direito, no entanto, o provincianismo e o autoritarismo do direito
latino-americano, incluindo, especialmente, o do Brasil, apresentam-se como
deploráveis.
No caso Las
Palmeras a Corte
Interamericana mandou processar novamente um determinado réu (na Colômbia)
porque o juiz do processo era o mesmo que o tinha investigado anteriormente.
Uma mesma pessoa não pode ocupar esses dois polos, ou seja, não pode ser
investigador e julgador no mesmo processo. O Regimento Interno do STF, no
entanto (art. 230), distanciando-se do padrão civilizatório já conquistado pela
jurisprudência internacional, determina exatamente isso.
Joaquim Barbosa, no caso mensalão, presidiu a fase
investigativa e, agora, embora psicologicamente comprometido com aquela etapa,
está participando do julgamento. Aqui reside o primeiro vício procedimental que
poderá dar ensejo a um novo julgamento a ser determinado pela Corte
Interamericana.
Há, entretanto, um outro sério vício procedimental: é o que
diz respeito ao chamado duplo grau de jurisdição, ou seja, todo réu condenado
no âmbito criminal tem direito, por força da Convenção Americana de Direitos
Humanos (art. 8, 2, h), de ser julgado em relação aos fatos e às provas duas
vezes. O entendimento era de que, quem é julgado diretamente pela máxima Corte
do País, em razão do foro privilegiado, não teria esse direito.
O ex-ministro Márcio Thomaz Bastos levantou a controvérsia e
pediu o desmembramento do processo logo no princípio da primeira sessão, tendo
o STF refutado seu pedido por 9 votos a 2.
O Min. Celso de Mello, honrando-nos com a citação de um
trecho do nosso livro, atualizado em meados de 2009, sublinhou que a
jurisprudência da Corte Interamericana excepciona o direito ao duplo grau no
caso de competência originária da corte máxima. Com base nesse entendimento, eu
mesmo cheguei a afirmar que a chance de sucesso da defesa, neste ponto, junto
ao sistema interamericano, era praticamente nula.
Hoje, depois da leitura de um artigo (de Ramon dos Santos) e
de estudar atentamente o caso Barreto
Leiva contra Venezuela, julgado bem no final de 2009 e publicado em
2010, minha convicção é totalmente oposta. Estou seguro de que o julgamento do
mensalão, caso não seja anulado em razão do primeiro vício acima apontado
(violação da garantia da imparcialidade), vai ser revisado para se conferir o
duplo grau de jurisdição para todos os réus, incluindo-se os que gozam de foro especial
por prerrogativa de função.
No Tribunal Europeu de Direitos Humanos é tranquilo o
entendimento de que o julgamento pela Corte Máxima do país não conta com duplo
grau de jurisdição. Mas ocorre que o Brasil, desde 1998, está sujeito à
jurisprudência da Corte Interamericana, que sedimentou posicionamento contrário
(no final de 2009). Não se fez, ademais, nenhuma reserva em relação a esse
ponto. Logo, nosso País tem o dever de cumprir o que está estatuído no art. 8,
2, h, da Convenção Americana (Pacta sunt servanda).
A Corte Interamericana (no caso Barreto Leiva) declarou que a Venezuela
violou o seu direito reconhecido no citado dispositivo internacional, “posto
que a condenação proveio de um tribunal que conheceu o caso em única instância
e o sentenciado não dispôs, em consequência [da conexão], da possibilidade de
impugnar a sentença condenatória.” A coincidência desse caso com a
situação de 35 réus do mensalão é total, visto que todos eles perderam o duplo
grau de jurisdição em razão da conexão.
Mas melhor que interpretar é reproduzir o que disse a Corte:
“Cabe observar, por outro lado, que o senhor Barreto Leiva poderia ter impugnado a sentença
condenatória emitida pelo julgador que tinha conhecido de sua causa se não
houvesse operado a conexão que levou a acusação de várias pessoas no mesmo
tribunal. Neste caso a aplicação da regra de conexão traz consigo a
inadmissível consequência de privar o sentenciado do recurso a que alude o
artigo 8.2.h da Convenção.”
A decisão da Corte foi mais longe: inclusive os réus com
foro especial contam com o direito ao duplo grau; por isso é que mandou a
Venezuela adequar seu direito interno à jurisprudência internacional:
“Sem prejuízo do anterior e tendo em conta as violações
declaradas na presente sentença, o Tribunal entende oportuno ordenar ao Estado
que, dentro de um prazo razoável, proceda a adequação de seu ordenamento
jurídico interno, de tal forma que garanta o direito a recorrer das sentenças
condenatórias, conforme artigo 8.2.h da Convenção, a toda pessoa julgada por um
ilícito penal, inclusive aquelas que gozem de foro especial.”
Há um outro argumento forte favorável à tese do duplo grau
de jurisdição: o caso mensalão conta, no total, com 118 réus, sendo que 35
estão sendo julgados pelo STF e outros 80 respondem a processos em várias
comarcas e juízos do país (O Globo de 15.09.12). Todos esses 80 réus contarão
com o direito ao duplo grau de jurisdição, que foi negado pelo STF para outros
réus. Situações idênticas tratadas de forma absolutamente desigual.
Indaga-se: o que a Corte garante aos réus condenados sem o
devido respeito ao direito ao duplo grau de jurisdição, tal como no caso
mensalão? A possibilidade de serem julgados novamente, em respeito à regra
contida na Convenção Americana, fazendo-se as devidas adequações e acomodações
no direito interno. Com isso se desfaz a coisa julgada e pode eventualmente
ocorrer a prescrição.
Diante dos precedentes que acabam de ser citados parece
muito evidente que os advogados poderão tentar, junto à Comissão Interamericana,
a obtenção de uma inusitada medida cautelar para suspensão da execução imediata
das penas privativas de liberdade, até que seja respeitado o direito ao duplo
grau.
Se isso inovadoramente viesse a ocorrer – não temos notícia
de nenhum precedente nesse sentido -, eles aguardariam o duplo grau em
liberdade. Conclusão: por vícios procedimentais decorrentes da baixíssima
adequação da eventualmente autoritária jurisprudência brasileira à
jurisprudência internacional, a mais histórica de todas as decisões criminais
do STF pode ter seu brilho ético, moral, político e cultural nebulosamente
ofuscado.
Luiz Flávio
Gomes: Diretor geral dos cursos de
Especialização TeleVirtuais da LFG. Doutor em Direito Penal pela Faculdade de
Direito da Universidade Complutense de Madri (2001). Mestre em Direito Penal
pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo USP (1989). Professor de
Direito Penal e Processo Penal em vários cursos de Pós-Graduação no Brasil e no
exterior, dentre eles da Facultad de Derecho de la Universidad Austral, Buenos
Aires, Argentina. Professor Honorário da Faculdade de Direito da Universidad
Católica de Santa Maria, Arequipa, Peru. Promotor de Justiça em São Paulo
(1980-1983). Juiz de Direito em São Paulo (1983-1998). Advogado (1999-2001).
Individual expert observer do X Congresso da ONU, em Viena (2000). Membro e
Consultor da Delegação brasileira no 10º Período de Sessões da Comissão de
Prevenção do Crime e Justiça Penal da ONU, em Viena (2001).
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