Claus Roxin em entrevista à Folha de São
Paulo, coloca o dedo na ferida da falha do STF na condenação sem provas
Insatisfeito
com a jurisprudência alemã –que até meados dos anos 1960 via como participante,
e não como autor de um crime, aquele que ocupando posição de comando dava a
ordem para a execução de um delito–, o jurista alemão Claus Roxin, 81, decidiu
estudar o tema.
Aprimorou a teoria do domínio do fato,
segundo a qual autor não é só quem executa o crime, mas quem tem o poder de
decidir sua realização e faz o
planejamento estratégico para que ele aconteça.
Roxin
diz que essa decisão precisa ser provada, não basta que haja indícios de que
ela possa ter ocorrido.
Nas
últimas semanas, sua teoria foi citada por ministros do STF (Supremo Tribunal
Federal) no julgamento do mensalão. Foi um dos fundamentos usados por Joaquim
Barbosa na condenação do ex-ministro José Dirceu.
“Quem
ocupa posição de comando tem que ter, de fato, emitido a ordem. E isso deve ser
provado”, diz Roxin. Ele esteve no Rio há duas semanas participando de
seminário sobre direito penal.
Folha
– O que o levou ao estudo da teoria do domínio do fato?
Claus
Roxin - O que me perturbava eram os crimes do nacional
socialismo. Achava que quem ocupa posição dentro de um chamado aparato
organizado de poder e dá o comando para que se execute um delito, tem de
responder como autor e não só como partícipe, como queria a doutrina da época.
Na
época, a jurisprudência alemã ignorou minha teoria. Mas conseguimos alguns
êxitos. Na Argentina, o processo contra a junta militar de Videla [Jorge Rafael
Videla, presidente da Junta Militar que governou o país de 1976 a 1981] aplicou
a teoria, considerando culpados os comandantes da junta pelo desaparecimento de
pessoas.
Está no estatuto do Tribunal Penal Internacional e no equivalente ao
STJ alemão, que a adotou para julgar crimes na Alemanha Oriental. A Corte
Suprema do Peru também usou a teoria para julgar Fujimori [presidente entre
1990 e 2000].
É possível usar a teoria para
fundamentar a condenação de um acusado supondo sua participação apenas pelo
fato de sua posição hierárquica?
Não, em absoluto. A pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem
também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem. Isso seria um mau uso.
O dever de conhecer os atos de
um subordinado não implica em co-responsabilidade?
A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do
fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção ["dever de
saber"] é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso do
Fujimori, por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os
sequestros e homicídios realizados.
A opinião pública pede punições
severas no mensalão. A pressão da opinião pública pode influenciar o juiz?
Na Alemanha temos o mesmo problema. É interessante saber que aqui
também há o clamor
por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso
não corresponde ao direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião
pública.
Cristina Grillo
Denise Menchen
Fonte Folha de São Paulo – do RIO