O jornalista e blogueiro Rodrigo Vianna |
"A
imprensa pode causar mais danos que a bomba atômica. E deixar cicatrizes no
cérebro." Noam Chomsky.
“Com
o tempo, uma imprensa cínica, demagógica e corrupta formará um público tão vil
quanto ela mesma”. Joseph Pulitzer, jornalista (há mais de um
século).
"A imprensa deixou há
muito de informar, para apenas seduzir, agredir e manipular." Prof. Andrew Oitke, catedrático de
Antropologia em Harvard.
Por Lais Amaral
O jornalista Rodrigo Vianna, responsável pelo Blog "Escrevinhador", conhece bem os intestinos das Velha Mídia Comercial. Trabalhou na Globo (até quando seu estômago suportou). Seu blog é um dos mais respeitados e prestigiados de toda a Blogosfera. Assim como ele é um dos jornalistas mais respeitados no meio. Sua matéria fala por si.
Justiça do Rio: TV GLobo joga em casa,
mas Kamel está derrotado pela História
por Rodrigo Vianna
Na praça Clóvis/Minha carteira
foi batida/Tinha vinte e cinco cruzeiros/E o teu retrato… Vinte e cinco/Eu,
francamente, achei barato/Pra me livrarem/Do meu atraso de vida (Paulo Vanzolini, “Praça
Clóvis”)
Um advogado amigo costuma dizer:
“no Rio, a Globo joga em casa”.
Hoje, tivemos mais uma prova. Ano passado, fui condenado em primeira instância, num
processo movido pelo diretor de Jornalismo da Globo, Ali Kamel. Importante
dizer: a juíza na primeira instância não me permitiu apresentar testemunhas,
laudos, coisa nenhuma. Acolheu na íntegra a argumentação do diretor da Globo – sem que eu tivesse sequer a chance
de estar à frente da meritíssima para esclarecer minhas posições.
Recorremos ao Tribunal de
Justiça, também no Rio. Antes de
discutir o mérito da ação,pedimos
que o TJ analisasse um “agravo retido” (espécie de recurso prévio) que
obrigasse a primeira instância a ouvir as testemunhas de defesa e os
especialistas de duas universidades que gostaríamos de ver consultados na
ação.
O Tribunal, em decisão
proferida nessa terça-feira (15/01), ignorou quase integralmente nossa
argumentação. Negou o
agravo e, no mérito, deu provimento apenas parcial à nossa apelação – reduzindo
o valor da indenização que a meritíssima de primeira instância fixara em
absurdos 50 mil reais.
Ato contínuo, certos blogs da direita midiática começaram
a dar repercussão à decisão. Claro! São todos fidelíssimos aos
patrões e ao diretor da Globo, na luta que estes travam contra outros
jornalistas.
Sobre esse processo, gostaria de
esclarecer alguns pontos. Primeiro, cabe recurso e vamos recorrer!
Segundo, está claro que Ali Kamel usa a Justiça para se vingar de todos aqueles
que criticam o papel por ele exercido à frente da maior emissora de TV do país.
Kamel foi derrotado duas vezes nas urnas: perdeu em 2006 (quando a Globo alinhou-se ao delegado
Bruno na véspera do primeiro turno, num episódio muito bem narrado pela
CartaCapital, naquela época) e perdeu em 2010 (quando o episódio da “bolinha de
papel” foi desmascarado pelos blogs e redes sociais). Contra as quotas, contra
o Bolsa-Família, contra os avanços dos anos Lula: Kamel é um dos ideólogos da
direita derrotada. Por isso mesmo, era chamado na Globo de “Ratzinger”.
Em 2010, Ali Kamel virou alvo de
críticas fortes (mas nem por isso injustas) na internet. Deveria estar
preparado pra isso. Dirige o jornalismo de uma emissora acostumada a usar seu
poder para influir em eleições. Passadas as eleições de 2010, Kamel
muniu-se de uma espécie de “furor processório”. Iniciou ações judiciais contra
esse escrevinhador, e também contra Azenha (VioMundo), Marco Aurélio
(Doladodelá), CloacaNews, Nassif, PH Amorim… Todas praticamente simultâneas.
Estava claro que Kamel pretendia mandar um recado: “utilizarei minhas armas
para o contra-ataque; não farei o debate público, de conteúdo, partirei para a
revanche judicial”.
Advogados costumam dizer que em
casos assim “o processo já é a pena”. Ou seja: o processante tem apoio da maior
emissora do país, conta com advogados bem pagos e uma estrutura gigantesca. O
processado (ou os processados) são jornalistas e blogueiros “sujos”, sem
eira nem beira. O objetivo é sufocar-nos (financeiramente) com os
processos.
Está enganado o senhor Ali Kamel.
Aqui desse lado há gente que não se intimida tão facilmente.
Não tenho contra Kamel nada
pessoal. Conversei com ele sempre de forma civilizada quando trabalhei na
Globo. Troquei com ele alguns emails cordiais – como costumo fazer com todos
colegas ou chefes. Kamel utilizou um desses e-mails pessoais na ação judicial,
como se quisesse afirmar: “ele gostava de mim quando estava na Globo, deixou de
gostar quando saiu da Globo.”
Ora, a questão não é pessoal. Tinha por Kamel respeito, até que comprovei de perto
algumas atitudes estranhas (vetos
a matérias), culminando com a atuação dele na
cobertura do caso dos “aloprados” na eleição de 2006. Na época, eu
trabalhava na Globo. Saí da emissora por causa disso. E passei a não mais
respeitar Ali Kamel profissionalmente. O discurso que ele fazia na
Redação antes de 2006 (“todos
podem ser ouvidos, há espaço para crítica”) era falso. Quem
criticou ou dissentiu foi colocado na “geladeira” e “expurgado”. Isso está
claro. Azenha, Marco Aurelio Mello, Carlos Dornelles e Franklin Martins
estão aí para mostrar…
De resto, a utilização de e-mails
(estritamente pessoais) numa ação não é ilegal. Mas mostra o grau apurado de
ética de quem os utiliza como ferramenta da luta política e judicial.
No meu caso, a acusação é de ter “espalhado” pela internet que ele
seria um “ator pornográfico”. Quem lê os textos que escrevi neste blog sobre a
infeliz homonímia (um
ator pornô nos anos 80, aparentemente, usava o mesmo nome que ele – Ali
Kamel) logo percebe: em nenhum momento disse
que Ali Kamel (o jornalista) seria o Ali Kamel (ator pornográfico).Não
afirmei que eram a mesma pessoa nem neguei que o fossem. Não sabia, e isso pouco
importava.
Apenas usei a coincidência como mote
para a crítica, em textos claramente opinativos: pornográfico, sim, é o
jornalismo que Ali Kamel pratica tantas vezes à frente da Globo. Foi essa a afirmação que fiz em
seguidos textos. Muitas vezes, de forma bem-humorada.
Na apelação ao Tribunal,
mostramos como seria importante a juíza de primeira instância ter consultado
especialistas em Comunicação (indicamos ao menos dois) para entender a
diferença entre opinião e informação. E para entender a centralidade do uso do
humor na crítica política.
Mostramos em nossa defesa,
ainda, como o impoluto comentarista (e ex-cineasta) Arnaldo Jabor utilizou-se
de mote parecido no título de um livro que fez publicar: “Pornopolítica”. Se há
uma “pornopolítica”, por que não posso falar em “jornalismo pornográfico”?
Só a Globo e seus comentaristas
podem recorrer a metáforas? Parece que sim. Especialmente no Rio de Janeiro. No
Rio, a Globo joga em casa.
Vamos recorrer aos
tribunais de Brasília. Não que eu tenha grandes esperanças de ver
magistrados na capital federal a enfrentar o diretor de Jornalismo da Globo.
Mas vou utilizar as armas que tenho.
Mais que isso: se Kamel pensava
em calar ou intimidar seus críticos, vai se dar mal. Esse
processo vai ajudar a mobilizar aqueles que lutam contra os monopólios de mídia
no Brasil.
Vai
ajudar a escancarar a hipocrisia daqueles que na ANJ e na SIP pedem “ampla
liberdade de crítica”, daqueles que usam Institutos Milleniuns para exigir “que
não se criem travas ao humor como ferramenta de crítica”, mas que fazem tudo ao
contrario quando são eles os objetos da crítica e do humor.
Kamel pode até ganhar no Rio.
Pode ganhar no STJ, STF, CNJ, SIP, ANJ, sei lá onde mais. Mas perderá na
história. Aliás, já perdeu. Na testa dele está o carimbo (justo ou injusto? o
público pode julgar…) de “manipulador de eleições”. Manipulador frustrado,
diga-se. Porque segue a perder. No Brasil, na Venezuela, na Argentina…
A Justiça quer que eu pague 20
mil, 30 mil ou 50 mil pro Ali Kamel? Acho absurda a condenação. Mas se for
obrigado, eu pago até com certo gosto. Levo lá no Jardim Botânico o cheque pra
ele. Ou entrego no apartamento onde ele vive, de frente pro mar na zona sul –
palco, vez ou outra, de brigas com os vizinhos que também acabam na Justiça.
Essa condenação, que ainda
lutarei para reverter, lembra-me a belíssima letra de Paulo Vanzolini – com a
qual abri esse texto…
Tudo bem, Kamel, se você e
a Justiça fizerem questão, eu pago! Só que seguirei a fazer - aqui –
o contraponto ao jornalismo que você dirige.
Tudo bem, Kamel, se você e
a Justiça fizerem questão, esgotados todos os recursos, eu pago!
Eu pago. Vê-lo derrotado frente à história: não tem preço.